15.03.2005 «No xadrez não há perdão, estás obrigado a ser cruel»
«Nenhum de nós vai poder fazer o que fez Kasparov, mas a idade lhe pesa. É questão de tempo ver quanto agüenta», diz o número 3 do mundo
Entrevista Veselin Topalov à Jon Agiriano/Enviado Epecial. LINARES

VESSELIN TOPALOV
A FICHA
Nascimento: Ruse (Bulgária)
Idade: 29 anos
Ranking mundial: 3.
Pontos Elo: 2.757
Anos como Grande Mestre: 12.
Residência: Salamanca
Títulos: campeão do mundo sub 14 em 1991.
Gostos: esporte, cinema e música
idiomas: fala búlgaro, russo, inglês, espanhol e serbo-croata


«Hoje em dia, o título mundial é algo puramente comercial»

    Entre final de fevereiro e começo de março, Vesselin Topalov é uma presença obrigada, quase familiar, no hotel Aníbal de Linares. Sempre acompanhado de seu treinador, conselheiro e manager Silvio Danailov, o enxadrista búlgaro, número 3 do ranking mundial, é um fixo no torneio de xadrez mais importante do mundo. Nunca ganhou em Linares, mas Topalov não seu empenho e quiçá nesta edição -marcha segundo por trás de Kasparov- consiga por fim seu objetivo. Seja como for, com ele está garantido o desfrute dos aficionados, que sempre valorizaram seu espírito combativo e seu inconformismo de aventureiro cada vez que se senta diante de um tabuleiro.
    Natural de Ruse, uma cidade a orlas do Danúbio, na fronteira entre Bulgária e Romenia, Topalov é, a seus 29 anos -cumpre 30 no dia 15-, um exemplo de profissionalidade. Próximo e acessível, atende aos jornalistas com um sorriso. Frente às peculiariedades e reações as vezes desabridas ou lunáticas de outros grandes campeões, este salmantino de adoção é um tipo singelo e natural, com um fulgor de inteligência observada, que vive o xadrez de uma forma saudável; como um prazer, não como uma obsessão.
    A verdade é que a Vesselin Topalov nunca deixou de entusiasmar-lhe, como se fosse um cofre de tesouros infinitos, o jogo que seu avô Giorgy lhe ensinou aos sete anos. Recorda como esperava em cada dia a que seu pai regressasse a casa depois do trabalho para desafiar-lhe a uma partida. E recorda como, cansado de seu trabalho, o bom homem, contador numa fábrica de Ruse, pediu a sua mulher que, por favor, enviasse aquele menino incansável num clube de xadrez. Ali começou o caminho de Topalov, que hoje em dia é um ídolo nacional em seu país, onde seus grandes 'matches' contra Karpov, Kasparov e Anand foram televisionados em horário de máxima audiência pelo primeiro canal da televisão pública. Seus primeiros sucessos chegaram a partir dos 10 anos. AOS 14, da mão do grande mestre Petko Atanasov, um homem chave em sua formação, proclamou-se em Porto Rico campeão do mundo de sua categoria. Dois anos depois, no entanto, Topalov se encontrava numa encruzilhada. Era o 1.500 do mundo e Atanasov lhe tinha abandonado. Foi então quando se encontrou por acaso com o enxadrista Silvio Danailov nos escritórios da Federação Búlgara. «A ver se me consegues algum torneio na Espanha», disse-lhe, meio em brincadeira meio a sério. Para sua surpresa, Silvio lhe chamou.E ali começou tudo.
-A carreira que lhe levou à elite mundial do xadrez iniciou em 1992 com uma viagem a Espanha que lhe mudou a vida. Costuma recordá-lo muitas vezes?
-Essas coisas nunca se esquecem. Silvio me conseguiu dois torneios na Espanha, um em Elgoibar e outro em Oviedo. Quando nós viemos para cá. Eu tinha 16 anos. Foi uma viagem muito longa, de uns 4.000 quilômetros porque então não se podia cruzar a Iugoslávia. Íamos num velho Citroen BX. A verdade é que passamos muito frio e muito cansaço, sobretudo Silvio que ia ao volante e conduzia desde as sete da manhã até as dez da noite. Eu ia como um zombie.
    A longa viagem
-Como lhe foi em Elgoibar?
-Bem. Fiquei em segundo e à um ponto de conseguir a norma de Grande Mestre, mas foi uma grande experiência. Tenho muito boas recordações. Lembro-me da pensão em que dormíamos, da vaga do povo, da gente falando em vasco, da sangria... Ademais, em Elgoibar me tive sorte porque o árbitro do torneio telefonou a Silvio para ver se me davam vaga num torneio que ia celebrar-se em Canárias. Em princípio, nosso plano era ir a Oviedo a umas rápidas, mas quando me deram vaga em Canárias não duvidamos. Ali consegui a norma de Grande Mestre.
-E ali iniciou sua lendária jornada pela Espanha. 25.000 quilômetros jogando torneios e mais torneios.
-Sim, joguei todo o circuito. Lembro-me que ganhei 6 torneios seguidos: Benidorm, Orense, San Fernando, Jerez da Fronteira, Santa Marta... O sexto não me lembro. Para mim foi muito importante. Subi muitos pontos Elo e conheci pessoas que me ajudoaram muito. Me agradaria que cites a Miguel Ángel Moa, o presidente da Federação Vasca, a Josu e Juan Carlos Fernández, a Andoni Madariaga, a César Pérez... Com certeza me esquecí de alguém.
-Lhe marcou aquela experiência?
-A vida de um jogador de abertos é um pouco boêmia. Mas o nosso era diferente. Nós éramos muito sérios e ambiciosos. Nossa idéia era subir de nível e sair dos 'open'. E trabalhamos muito para conseguí-lo.
-A idéia era chegar até o top 10?
-Não, não. Eu não esperava chegar onde cheguei nem em sonho. Naquela época me falavam de Kasparov e de Karpov e me parecia que estavam em outra galáxia.
-Quiçá Silvio confiava mais em você do que você mesmo.
-É possível. Silvio é bem mais ambicioso do que eu. Foi ele quem me deu gãna.
-Vamos, que sem ele eu trabalharia menos.
-Com certeza. Me atrapalha muito estar só. Para mim é fundamental treinar com outra pessoa. Para melhorar treinando só tens que ser um fanático do xadrez e eu não o sou.
-Diz que não é fanático...
-Não, não o sou. Adoro o xadrez. Encanta-me estar na Internet e ver as partidas on-line. Mas não sou um fanático. Não o sou no sentido de que não vivo obsecado pelo xadrez.
-Não é dos que sonha com aberturas e jogadas.
-Exatamente. Poucas vezes sonho com partidas.
-Que faz falta para ser um enxadrista de elite?
-Não há uma receita. Suponho que fazem falta muitas coisas: talento, capacidade de trabalho, capacidade de concentração... E o mais importante: a memória.
-É você um jogador muito apreciado pelo público. Valoriza-se muito seu jogo, que seja combativo, inconformista, que não costume ir às tabelas fáceis.
-As vezes me prejudica jogar assim. Eu jogo para ganhar e as vezes arrisco demasiado. Para os espectadores é muito bonito, mas em ocasiões eu teria estado melhor sendo mais conservador porque meus rivais, sabendo como sou, e esperam-me.
-Não me dirá que está pensando em mudar de estilo.
-Não. Como dizem os russos, o que não arrisca não bebe champanhe. Mas as vezes preciso ser um pouco mais prudente para que não me cortem a cabeça. Porque neste nível, quando arriscas demasiado te cortam a cabeça.
-Não há piedade.
-Ao reves. No xadrez não há perdão, estás obrigado a ser cruel. Se vês a mais mínima debilidade num jogador, tu também tentas aproveitá-la. Todos vamos pôr o dedo... Como se diz? Na ferida?
-Na chaga.
-Isso, na chaga. Eu o outro dia encontrei uma debilidade em Adams e lhe ganhei. Pois bem, Kasparov fez o mesmo. Foi direto. Pam!
-Kasparov passa por ser implacável.
-Sim. Kasparov tem instinto assassino. Para mim, por exemplo, Anand tem tanto talento como Kasparov. Creio que, objetivamente, tem-o. Mas Kasparov tem mais caráter. A Vishy lhe falta isso. Ele não é um assassino e Kasparov, sim.
-E como anda você de instinto assassino?
-Me falta um pouco. As vezes deveria ser mais pragmático, jogar com mais paciência e não tanto para o público.
-Mas pensa nos espectadores quando joga?
-Não. O que me ocorre é que, quando vejo uma jogada interessante, ainda que me de conta que é arriscada, lanço-me a ela. E claro, as vezes me complico e perco. Deveria controlar-me mais.
-Você não resiste a tentação de ir-se à aventura.
-Isso. As vezes não me controlo.
-Por isso agrade você tanto aos organizadores de torneios e aos aficionados.
-Sim. Sinto que tenho a obrigação moral de agradar ao público.
Entre os melhores
-Como vive as derrotas? Se o pergunto porque, em general, os enxadristas costumam sofrer muito quando perdem, como se a derrota tivesse um pouco de humilhação.
-Para mim não é humilhação. Eu não temo perder. Sei que sou um jogador de elite, mas também sei que não sou o único. Há parceiros que podem me vencer. E o aceito. Em 1999 perdi contra Kasparov, na Holanda, uma das partidas mais bonitas da história. E não é que me sinta orgulhoso dessa derrota, mas se eu joguei ao máximo e meu rival foi melhor... Ter medo de perder é uma gilipollez. Os grandes problemas são outros. O tsunami de Ásia, por exemplo.
-Leva você quase uma década entre os dez melhores do mundo...
-Sim, desde 1996. Em março daquele ano ganhei um torneio muito forte em Amsterdam. Ganhei de Kasparov e Anand e subi muito. Desde então não saí do top 10.
-Que é mais duro chegar ou manter-se?
-As duas coisas são difíceis.Eu tive uma temporada de crise. Quando te metes entre os 10 melhores, entram-te dúvidas. Que fazes? Ir para acima, mas acima está Kasparov. Via-me desorientado, sem confiança, com a sensação de que tinha chegado a meu máximo. Agora conduzo melhor. Tenho confiança para chegar mais adiante.
-Qual é seu objetivo como enxadrista Pode aspirar ao trono de Kasparov?
-Nenhum de nós vai poder fazer o que fez Kasparov. Isso está claro. Mas a idade lhe pesa. É questão de tempo ver quanto agüenta. Ainda que Kasparov tenha mantido o número 1, eu creio que Anand foi o melhor do mundo em vários anos. O que ocorre é que o sistema Elo beneficia a Kasparov. Se chegarei a ser número 1? É muito difícil, mas tenho a ilusão tentá-lo.

fonte: http://servicios.elcorreodigital.com

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