Canal Xadrez



24/04/2009 15:07
Menino de 19 anos é o futuro do xadrez brasileiro
André Diamant, de espinhas no rosto e aparelho na boca, é o jogador mais promissor surgido no Brasil desde Mequinho
Danilo Soares

André Diamant
PROMISSOR
André Diamant, o oitavo grande mestre brasileiro. Para progredir no xadrez, ele conta com uma estrutura inédita no país

No intervalo entre duas rodadas do Campeonato Paulista de Xadrez de 2000, um menino de 10 anos chamou a atenção por desafiar jogadores muito mais velhos para partidas amistosas. Eu, que disputava o torneio na categoria até 16 anos, entrei na fila. Tive o mesmo destino dos outros que aceitaram o desafio: uma derrota rápida e incontestável. De lá para cá, aquele garoto venceu todos os campeonatos nacionais em categorias de base, viajou para disputar partidas em 15 países, trabalhou por três anos numa pousada no litoral do Ceará, voltou para São Paulo sem a família e teve um filho. Hoje, com 19 anos, ele é um grande mestre de xadrez – título máximo concedido pela federação internacional a um jogador. “Não achava que o título viria tão cedo, pensava que só conseguiria daqui a alguns anos”, diz André Diamant. “Mas sempre soube que seria grande mestre, claro.”

Há hoje cerca de 900 grandes mestres em todo o mundo. O título é vitalício. Nos últimos anos, de certa forma, o título se “banalizou”. Nos anos 70, eles eram não mais que uma centena – entre eles o primeiro brasileiro a conquistar a honraria, Henrique Mecking, o Mequinho, aos 19 anos, mesma idade de André hoje. Essa “banalização” não quer dizer que seja fácil obtê-lo. Para isso, o jogador tem de alcançar pontuação alta, definida por fórmulas matemáticas complicadas, em três torneios de nível internacional. Também é preciso atingir um rating (pontuação que mede o nível de um jogador) – de pelo menos 2.500 pontos (um jogador iniciante tem cerca de 1.000 pontos; um candidato ao título mundial, mais de 2.700). André tem 2.506 pontos, o bastante para fazer dele o oitavo grande mestre brasileiro.

No dia a dia, André foge do estereótipo do jogador de xadrez (criado, em grande parte, pelo comportamento anacorético do genial ex-campeão mundial Bobby Fischer, morto em 2008). Curte baladas, gosta de ir ao cinema e de ir ao estádio ver o Santos jogar. Mas sua rotina não é de qualquer jovem de 19 anos. Ele chega a passar dez horas por dia diante do computador estudando as jogadas de seus adversários. Quando disputa um torneio importante, fica tão concentrado que permanece incomunicável por dias seguidos. Numa idade em que muitos jovens ainda estão indecisos quanto à carreira a seguir, André já é um veterano em sua profissão. Aprendeu a jogar xadrez aos 5 anos, incentivado pelo pai. Aos 7, já representava em competições oficiais o Grêmio de Xadrez Belém, um pequeno clube da Zona Leste da capital paulista.

Foi num desses campeonatos interclubes que um encontro ocasional decidiu o futuro do jogador. André sempre competia vestindo o quipá, o solidéu com o qual os judeus ortodoxos cobrem a cabeça, sobretudo em celebrações religiosas. O hábito despertou a atenção de Milton Matone, então diretor de xadrez da Hebraica, clube da comunidade israelita de São Paulo. Matone decidiu apostar naquele talento promissor e incorporou o garoto a sua equipe. Sidney Corrêa, o primeiro professor de André, abriu mão de seu principal jogador para que ele desenvolvesse seu potencial em um clube de mais estrutura.

André e a irmã Chandra, dois anos mais velha, saíram da escola estadual e ganharam uma bolsa de estudos para frequentar o Bialik, um colégio judaico tradicional de São Paulo. Quando não estava nas aulas, André jogava xadrez no clube ou pela internet. “Ele sempre foi bom de cálculo e tinha ideias próprias, o que é um grande diferencial”, diz seu professor na Hebraica Davy D’Israel. “Muitos jogadores dessa idade só reproduzem o que estudam em livros ou no computador.”

Em pouco tempo, André já estaria viajando para disputar campeonatos no exterior. As aulas e as viagens internacionais eram financiadas pelo então diretor da sinagoga da Hebraica, José Luiz Goldfarb. “O André frequentava a sinagoga, e eu fui me afeiçoando àquele menino que jogava xadrez”, diz. No começo, Goldfarb tirava dinheiro do próprio bolso e contava com colaboradores anônimos, uma tradição judaica. Depois, conseguiu o patrocínio de duas empresas – algo raro no xadrez brasileiro, mesmo para jogadores de alto nível. Em 2001, André pôde passar dois meses estudando xadrez na Rússia, país que reúne o maior número de grandes mestres (leia o quadro abaixo). Longe de casa e sem falar uma palavra no idioma local, o garoto de 11 anos enfrentou o inverno russo a sua maneira: “Eu jogava xadrez o dia inteiro. Só parava para dormir”, diz.

Onde nascem as estrelas do xadrez

Número de grandes mestres em alguns países

 

 Reprodução

 

Apesar de todos os investimentos que recebeu, a carreira de André quase acabou precocemente, aos 13 anos. Em 2003, seu pai, Jean, decidiu abrir uma pousada em Jericoacoara, no litoral do Ceará, a 320 quilômetros de Fortaleza. André e as três irmãs se mudaram para lá. Longe dos principais campeonatos do país, o enxadrista passou a ajudar o pai na administração da pousada. E teve de cursar o 1o ano do ensino médio pela internet, pois a escola da praia ia só até o ensino fundamental.

Foi quando chegou a pensar em parar de jogar: “De certa forma eu já tinha parado. Eu viajava para disputar um torneio ou outro, mas meu nível estava caindo”. Durante os três anos que passou em Jericoacoara, um dos poucos torneios que disputou foi a Macabíada – uma espécie de olimpíada que reúne atletas judeus do mundo inteiro a cada quatro anos, em Israel. Mesmo fora de forma, André conseguiu a medalha de prata em 2005 e recebeu elogios de grandes mestres israelenses.

José Luiz Goldfarb conta ter percebido ali que se André ficasse em Jericoacoara não teria condições de progredir. Mais que patrocinar as viagens do menino para as competições, Goldfarb passou a se envolver na vida do jogador e a planejar a trajetória que o levaria ao título de grande mestre. O primeiro passo foi trazer o jogador de volta para São Paulo. O pai de André, que sonhava em ver o filho se destacar no xadrez, permitiu que ele saísse de Jericoacoara, mas impôs duas condições: André deveria concluir o ensino médio e ter aulas particulares com um grande mestre.

Com o apoio do clube e da família, André decidiu voltar para São Paulo em 2006 e retomar sua carreira. Ele passou a morar na casa de Viviane Bigio, uma amiga de Goldfarb, e retomou as aulas de xadrez. O professor escolhido foi o grande mestre Gilberto Milos, reconhecido como o segundo melhor jogador brasileiro na história, atrás apenas de Henrique Mecking, o Mequinho. No ranking atual, Milos é o quarto brasileiro mais bem colocado e o 248o do mundo (leia o quadro acima). Milos preparou um programa de treinamento específico para as características de André, cujo estilo define como “extremamente prático”. A praticidade pode ser decisiva para quem chega a ficar cinco horas seguidas debruçado sobre um tabuleiro. “Ele tem facilidade para encontrar as oportunidades dadas pelo adversário e aproveitá-las”, afirma Milos.

‘‘Eu sempre peguei recuperação em todas as matérias da escola’’
ANDRÉ DIAMANT, grande mestre de xadrez

A estrutura criada para André em São Paulo superou as expectativas. Sua meta para 2006 era melhorar seu rating em 60 pontos. No fim do ano, ganhara mais de 180 – resultado que já o colocava entre os melhores do Brasil. A ascensão continuou em 2007, até ser interrompida por problemas pessoais. Com a morte da mãe, André passou por um período introspectivo, que interferiu em seu desempenho em campeonatos. No mesmo ano ele começou a namorar – “o que também atrapalha”, como ele próprio diz.

A fase ruim na vida pessoal se refletiu na sala de aula. Ao contrário do que se esperaria de um prodígio do xadrez, ele não era um dos melhores alunos. As viagens constantes faziam de André um aluno-problema. “Eu sempre peguei recuperação em todas as matérias na escola. Eu perdia muitas aulas e pegava pouco conteúdo”, diz. Para que ele conseguisse terminar o ensino médio sem repetir de ano, como prometera ao pai, foram necessárias aulas extras e muitas conversas entre José Luiz Goldfarb e a diretoria da escola.

Em 2008, às vésperas de uma sequência de torneios na Europa e na Ásia, André ficou sabendo que a namorada estava grávida. Em vez de deixar o nervosismo atrapalhar sua performance, descontou seus fantasmas nos adversários. Chegou a ficar 25 partidas seguidas sem perder. “De certa forma foi bom, eu amadureci. Pensava: ‘Minha namorada está grávida; não vou ficar assustado por jogar com um jogador mais forte que eu’”, diz. De volta ao Brasil, André viu pela primeira vez seu filho, Isaac, que está com 5 meses de idade, e o levou à casa do pai em Jericoacoara, para ser circuncidado. O garoto vive com a mãe em Chapecó, Santa Catarina. André espera que o filho se torne, como ele, enxadrista.

No fim do ano passado, André venceu o campeonato brasileiro, superando os principais grandes mestres do país – entre eles seu treinador, Gilberto Milos. No início deste mês, coroou a boa fase com o título de grande mestre. O professor Milos, que chegou a ser 34o do mundo, não vê problemas em ser superado pelo aluno. “Estou ficando cada vez menos competitivo, e o André cada vez mais. Dou dicas para que ele chegue ainda mais longe que eu”, diz.

Depois de conseguir o título de grande mestre, o próximo desafio de André é, aos poucos, entrar na elite do xadrez mundial. Ele fala sobre o assunto com cautela, pois sabe que a meta é difícil – apesar de sua ascensão rápida, ainda é “apenas” o sexto melhor jogador do Brasil e o 791o do mundo. O que o torna promissor não é a idade, mas o apoio que ele recebe. Em um país conhecido por atletas talentosos que superam a falta de estrutura para conseguir posições de destaque, ele é um exemplo de como o caminho para o sucesso pode ser encurtado quando o talento se alia a um planejamento adequado.

Além de bancar viagens e aulas, seus incentivadores chegam a organizar torneios de nível internacional para que André participe. O objetivo é permitir que ele acumule experiência e ganhe pontos no ranking mundial. A iniciativa beneficiou outros jogadores jovens como ele, que participam desses campeonatos e acompanham André em viagens, com o apoio da Confederação Brasileira de Xadrez. O resultado é evidente: nunca o Brasil teve tantos jogadores de alto nível. Mesmo que André nunca venha a ser candidato ao título mundial, sua história já é um marco no xadrez brasileiro – e uma lição a ser seguida por outras modalidades.

Às vésperas de um torneio, André soube que a namorada estava grávida. Começou a jogar melhor

 

Os melhores do país

 

Hoje, o Brasil não tem nenhum jogador entre os cem melhores do mundo

Márcio Fernandes
Giovanni Vescovi
2.631 pontos
(108º do mundo)
Márcio Fernandes
Alexandr Fier
2.595 pontos
(210º do mundo)
 Reprodução
Rafael Leitão
2.590 pontos
(225º do mundo)
Paulo Pinto
Gilberto Milos
2.585 pontos
(248º do mundo)
Vidal Cavalcante
Henrique Mecking
2.556 pontos
(398º do mundo)
Fernando Maia
André Diamant
2.506 pontos
(791º do mundo)





Fonte: REVISTA ÉPOCA

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